Dia como outro qualquer. 

Acordo, escovo os dentes, vou tomar um remédio novo (faz um tempo que tem pelo menos um pra tomar em jejum), antes resolvo ler a bula e aí o choque: estou tendo um AVC! Só pode ser, pois penso que é a única explicação razoável para eu estar com a vista completamente turva e, no esforço de enxergar alguma coisa, até com a cabeça meio tonta. Mas procuro outros sintomas e não sinto formigamento, nem enjoo. Ao redor, vejo tudo perfeitamente, sem dificuldade nenhuma.

Mais calma, me dou conta de que o fato de eu não estar enxergando nenhuma letra só pode ser culpa dos fornecedores de tudo que é tipo de produto que, para fingir que não aumentaram os preços, diminuem as porções. (Em tempos de recessão, nenhuma novidade). Aha, já sei: economia de papel e as letras menores então. Não, também não era isso, pois a menina que trabalha aqui em casa, leu sem problemas e não viu diferença.

De repente, me “cai a ficha”: preciso de óculos para p-e-r-t-o. 

Caramba, ainda ontem eu lia tudo. Foi eu fazer 50 e, da noite pro dia, já não enxergo mais. 

Ah não, óculos ficam estilosos nas novinhas, não na ponta do nariz de uma coroa. E como eu vou pedir alguma coisa no restaurante sem apertar os olhos diante do cardápio?

E lápis de olho, rímel, sombra – vou precisar de lente de aumento pra me maquiar?

Novata nas derrocadas do tempo, pensei em alguma compensação: não perceber as rugas, talvez. (Fraco argumento, pois elas estarão lá do mesmo jeito. Mesmo que eu não as veja, outros sim).

Moral da história: até agora, se há alguma compensação, creia-me, estão escritas em letrinhas miúdas – e eu ainda não consegui enxergar sem lentes!

Kátia Galvão em 50etcetera