Ontem fui parar numa feira de artesanato. Nota: acho incrível quem tem essas habilidades manuais, mas eu sou um zero à esquerda neste quesito.
Fiquei impressionada com a quantidade de ideias diferentes pra fazer de um tudo. Sabe aquelas coisas que você compra pra enfeitar a casa? Dá um trabalho danado. É detalhe em cima de detalhe.
Passeei por todos os stands quando de repente me detive em um (esta almofadinha que ilustra o post já diz tudo). Quanta criatividade: um suporte pro notebook na cama ou no sofá. Gamei! E com que tema? Frida Kahlo.
Lá estava eu me agarrando com o mimo, quando escuto um rapaz ao lado dizer: “que mulher feia essa da monocelha, quem é?”. Oi? Monocelha? Olhei de novo pra foto e entendi tudo: monocelha = sobrancelha que, junta à outra, transforma-se em uma coisa só.
Surgiu uma dúvida. Fico com pena da Frida ou do garoto? Ter sua memória reduzida a uma característica física não deve ser muito agradável, mas, convenhamos, não ter a mínima noção de quem foi esta pessoa deve ser muito pior.
Estive na casa dela no México. Impressionante sua biografia. Fora dos padrões. Cheia de limitações e dor. Inspiradora e apaixonada – retrato do que provoca a mover à frente.
Sua marca registrada – buço, sobrancelhas espessas, roupas coloridas – tradução de sua rebeldia aos modelos, sinônimo de contestação. Disse (é o que consta): “para que preciso de pés se tenho asas para voar?”
Palmas, que mulher! O que me faz lembrar que eu não escrevi nada sobre “nosso dia” esse ano. Ok, todo dia é nosso, eu sei. Mas, apesar do absurdo, ainda é preciso que a gente se valide sem trégua. É preciso ir além do óbvio para exigir respeito. Fardo extra, girls!
Não vivo numa comunidade de discrepâncias e injustiças descaradas. Vivo numa comunidade de aparências. Onde nem tudo é o que parece. Vivo numa comunidade bem hipócrita até: aqui a gente pode ser o que a “sociedade” quiser, oba!
Não é que a gente não possa ser, mas é melhor escolher a versão “recatada e do lar”. Ter voz é perigoso! Causa abalos e desconfortos.
Eu, particularmente, não me importo com rótulos. Mas é uma monocelha aqui – sem intenção – outra monocelha ali – na brincadeira – que vai dando o tom. É assim que se descaracteriza, se desqualifica. Fiquemos alertas!
Frida, querida (bem íntimo assim mesmo), obrigada pela lição: “viva la vida”. É o que farei!
Kátia Galvão em 50etcetera